Olhando Coimbra



por Emiliana Carvalho







Sentimentos de pertencimento e não-pertencimento, de familiaridade e de estranheza, de busca e de achamento encontram-se aqui, neste espaço imaterial, intitulado Olhando Coimbra.



Esta página é uma convergência de sentimentos, idealizada por Maisa Antunes, professora, pedagoga em doutoramento na Universidade de Coimbra (Portugal).



Aqui, algumas almas que, em nome de seus sonhos e desejos de realização pessoal, partiram de suas pátrias para assentarem seus corações em terra estrangeira doam aos nossos olhos parte de suas percepções e sensações.



Maisa Antunes, Raimundo Paulino e Oscar Escobar – estes, também em doutoramento -, e o professor da Universidade de Coimbra, João Amado são os pioneiros deste blog; são os primeiros a confessarem solidões, encantamentos e descobertas. Cada um, à sua maneira, desnuda-se para abrir as perspectivas daqueles que os lerão: dos que ficaram em suas respectivas terras natais e dos que em Coimbra estão: sejam eles nativos ou audazes estrangeiros.



Com passos de atento viajante, o fotógrafo documentarista, Marcos Cesário também percorre a centenária cidade portuguesa. Ele interpreta o lugar imageticamente, flagrando recantos, Olhando Coimbra.







Sentimentos em Coimbra



por Maisa Antunes





Procuro nos intervalos de tempos, entre um encontro e outro, diminuir a distância entre Coimbra e eu. Aqui cheguei depois de atravessar o Atlântico e debaixo de uma explosão de palmas que festejava uma aterrissagem perfeita em Lisboa.



A cidadania portuguesa, provisória, esperava-me. Os processos de regularização acadêmica e cidadã davam-me desconfortos contínuos, e atiçavam-me para um desejo de regressar, em busca do estado de conforto anterior.



Mas Coimbra estava ali a ofertar-me suas sombras, e um sol gelado, projetando paisagens que compunha um mosaico de arquiteturas e tempos diferentes derramados nas paredes.



Ando pelas ruas de Coimbra e intuo que um dia vou olhá-la com mais intimidade. Marco Polo, em Cidades Invisíveis - de Ítalo Calvino - diz que os lugares são espelhos em negativo. Cada lugar tem suas marcas, seus mistérios, e seus símbolos, alguns se mostram para o viajante, quiçá também para o estudante, que passa por aqui mais devagar que o turista.



O Bairro Santa Justa, a casa amarela, as Sofias, os Antonios, os Marcelos, os Joãos, as Cláudias e Ritas ligam-me a uma teia de sentidos, permanências e breves pertencimentos a esta terra. E os contatos com a cidadania portuguesa estranhamente dizem-me: “Você é estrangeira”.



Na história “Caminhos de alta festa” Eduardo Galeano lembra que houve tempos em que “o mundo inteiro era nosso reino, imenso mapa sem fronteiras, e nossas pernas eram o único passaporte necessário”.



O Pequeno Príncipe cativou e foi cativado pela Raposa, que como a Rosa se tornou única para ele, dentre tantas existentes. Imagino que um dia depois que voltar para o Brasil, numa praia qualquer olharei o horizonte repousado no Atlântico e sentirei saudades de pessoas e experiências aninhadas em meu coração.













Coimbra





por Raimundo Paulino





Coimbra remonta ao século passado quando lia os autores da literatura brasileira especialmente aqueles que viveram e produziram suas obras as quais retratavam o contexto social, cultural e político do século XIX. Lendo a vida e a obra daqueles autores, podia perceber a relação que existia entre a elite, sobretudo a que dominava a sociedade da época. (Em tempo, sociedade brasileira). Já nesta altura havia uma relação muito forte entre Brasil e Portugal mais precisamente no que se refere ao privilegio de alguns abastados – filhos da elite - tinham de estudar na faculdade de direito da Universidade de Coimbra.



No ano de 2011, para a minha surpresa tive a oportunidade de estudar nesta tão privilegiada e reconhecida faculdade européia e uma das mais antigas do mundo. Existe uma polêmica entre os estudiosos quanto a que é mais antiga. O que envolve um complexo debate que povoa no contexto das universidades de Bolonha (Itália), a de Salamanca (Espanha) e a Sorbonne (França). Nesta disputa, acredito que quem ganhe seja a de Coimbra, mesmo considerando que seja suspeito em afirmar tal facto.



Fui muito bem acolhido, o que de certa forma amenizou as saudades do Brasil especialmente da família e dos amigos que tanto me deram força para enfrentar a tão árdua luta de se estudar fora do país e tão distante da nossa terrinha. Os primeiros dias foram de observação tanto do que se via e como do que se percebia no que tange as formas das pessoas se relacionarem, seja na língua, seja nos valores e costumes do povo português como um todo.



A minha chegada nesta cidade que se assemelha um pouco com a cidade pernambucana de Olinda por apresentar um relevo que apresenta muitas ladeiras e as suas ruas estreitas serem compostas de pedras marca em minha vida muitos aprendizados e um aditivo cultural exemplar. Não estou a falar só dos aspectos concretos e sim das pessoas, das suas culturas, da culinária, da linguagem e enfim de todo o conjunto de fatores que retrata toda a paisagem desta cidade portuguesa.



Portanto, posso assegurar que a minha relação com a cidade de Coimbra tem sido das melhores possíveis nos mais variados aspectos. Assim, ainda posso acrescentar que a vida neste país de Fernando Pessoa, de Luis de Camões e de Eça de Queiroz para ficar só nestes três é algo que acrescenta de muito valioso em nossa vida cultural e social. Por Coimbra ser uma cidade universitária não significa dizer que só há estudos; Existe muita coisa, além disso, por exemplo, muitos espaços sociais como forma de lazer, em destaque o “fado” que acaba de ser eleito pela UNESCO o patrimônio imaterial da humanidade. Esta foi uma conquista recente da sociedade portuguesa e demonstra o valor e significado que representa para todo o povo que habita a parte ocidental da península ibérica.



Em suma, viver e estudar nesta cidade conhecida também por “universitária” pode ser considerado um privilégio para poucos especialmente os brasileiros como eu e outros que estão a estudar neste primeiro ano de curso. Portanto, a minha expectativa de passar os próximos anos na terra tem permitido compreender melhor a cultura e as relações sociais que faz o povo lusitano mais solidário e mais prestável com os estrangeiros, sobretudo com os mais distantes.


   COIMBRA

por Oscar Escobar



DE TEU CORPO NASCEU UMA CIVILIZAÇÃO E

OUTRA SE APAGOU, HOJE O VELHO ESTA MORRENDO

E O NOVO ESTA NASCENDO, DE TUAS  RUAS

MIL CANTICOS SÃO LEMBRADOS; CIDADE DE MIL AMORES,

DE TEUS OLHOS NASCEU CAMÕES,

O MONDEGO, OS LUSÍADAS, O VERSO EM TI SE FEZ PROSA;

EÇA,  FEZ DE TEUS BECOS UM LABIRINTO DE VIDAS VIVIDAS;

 DOR SEM REMORTIMENTO.

COIMBRA, COIMBRA, TU MUDAS OS DESTINOS,

 OS ESTRANGEIROS SÃO TEUS FILHOS MAIS PRÓDIGOS,

SEMPRE ESTARÃO  VOLTANDO.



Estudante estrangeiro em Coimbra





por João Amado





Estudante estrangeiro em Coimbra… mas poder-se-á ser estrangeiro numa cidade que desde há séculos irradiou conhecimento, por via dos seus mestres e dos seus alunos, para todo o mundo, muito em especial o de expressão portuguesa?!...



Vir estudar para Coimbra, tanto para estrangeiros como para nacionais, é uma experiência única… Integrar-se na sua comunidade universitária é adquirir uma marca indelével que se passa a exibir com orgulho durante o resto da vida. Diz uma dos nossos fados, que aqui se aprende a dizer «saudade». Isso é verdade, sobretudo«na hora da despedida», na hora em que a vida nos empurra para longe… porém, a distância pode causar saudade, mas nunca o esquecimento...



Por outro lado, a Universidade não é apenas fonte que jorra sobre a cabeça dos seus alunos e a partir daí transborda, se oferece ao exterior para o interpretar e transformar. Pelo contrário, é através dos seus professores, alunos e funcionários, cada qual com a sua especificidade e anseios, que ela acolhe o mundo em si mesma, e por essa via se sustenta e renova.



Os alunos estrangeiros têm um papel fundamental nesta renovação, devido à circulação e cruzamento de culturas que proporcionam no quotidiano da instituição; na medida em que participam com outras perspectivas acerca da vida e do mundo, trazem novos conhecimentos, obrigam a repensar os objectivos do ensino e mostram que as oportunidades de aplicação do saber estão lá, onde menos se espera e à mercê da ilimitada criatividade humana.



Julgo, por tudo isto, que a Universidade de Coimbra, embora faça muito pelos seus alunos estrangeiros, tem obrigação de fazer ainda muito mais, ao nível do acolhimento e burocracia, do ensino e da aprendizagem, do diálogo com as suas culturas e sociedades de origem, etc. Não basta seduzir… é preciso cuidar.



Como docente tive oportunidade de ter muitos alunos estrangeiros e posso garantir que as suas exigências, mas também o seu espírito aberto e a sua alegria, me levaram a ser melhor professor e melhor pessoa. Por isso, aqui registo o meu respeito e o meu agradecimento a todos eles.